PROGRAMA DE TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL DAS MATERNIDADES DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Fga Patrícia Kuster
Ferreira Montenegro
Fga Simone Corrêa Libório
Introdução
Os
primeiros meses de vida constituem o período de mudanças mais rápidas nas
habilidades perceptuais que ocorrem concomitantemente em diferentes órgãos dos
sentidos. Assim, todas as experiências
sensoriais, vivenciadas pela criança durante o primeiro ano de vida, têm
importância decisiva para o desenvolvimento da linguagem.
A
audição é a principal via de entrada para a aquisição da linguagem oral.
A
deficiência auditiva é uma das alterações congênitas mais freqüentes em
recém-nascidos, ocorrendo em cerca de 3:1.000 nascimentos (ALLEN, S.G. et al,
1999; AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, 1999).
Em
1994, o Joint Committee on Infant Hearing recomendou a Triagem Universal por
métodos fisiológicos (PEATE e EOAT), realizada na alta hospitalar, de forma que
permita a identificação da perda auditiva antes dos três meses de idade e a
intervenção clinicoeducacional até seis meses de idade.
No Brasil, a perda auditiva tem sido
diagnosticada por volta dos dois a três anos de idade. (RUGGIERI
et al, 2002). Durante esse tempo, a
criança perde informações auditivas importantes, o que interfere no
desenvolvimento da sua comunicação.
A Triagem Auditiva Neonatal (TAN) de rotina
é a única estratégia capaz de detectar precocemente alterações auditivas
infantis, sendo recomendada desde 1998 pelo Comitê Brasileiro de Perda Auditiva
na Infância. Em 02 de agosto de 2010 passou
a ser obrigatória em todo o Brasil através da lei federal nº 12.303
Considera-se TAN quando os procedimentos
são realizados durante o primeiro mês de vida, permitindo diagnóstico e
intervenção precoces. Quando não for possível,
a avaliação deverá ser realizada o quanto antes, entretanto qualquer momento é oportuno
para se avaliar a audição de uma criança.
Triagem Auditiva Neonatal
Considerando a importância da Triagem
Auditiva Neonatal e sua obrigatoriedade, os hospitais e maternidades deveriam
adotar, sempre que possível, o Programa de Triagem Auditiva Neonatal Universal,
no qual todos os recém-nascidos são avaliados.
Em 2012 o Ministério da Saúde publicou as “Diretrizes
de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal” com o objetivo de oferecer orientações
às equipes multiprofissionais para o cuidado da saúde auditiva na infância, em
especial à Triagem Auditiva Neonatal. O documento estabelece um protocolo que
visa um conjunto de ações que devem ser realizadas para a atenção integral à
saúde auditiva na infância, englobando triagem, monitoramento e acompanhamento
do desenvolvimento da audição e da linguagem, diagnóstico e (re)habilitação.
No entanto, para o cumprimento de todas as
ações previstas são necessários recursos
materiais, humanos capacitados e articulação entre os diferentes níveis de
atenção à saúde para que se realize todas as etapas de avaliação, diagnóstico e
reabilitação.
Considerando que, até o momento, nem todas
estas “ações” foram possibilitadas pelos órgãos competentes, serão descritas a
seguir todas as etapas realizadas dentro das condições disponíveis nas
Maternidades do Município do Rio de Janeiro.
Recursos materiais e humanos
Tendo em vista a Triagem
Auditiva Neonatal Universal, são necessárias:
▪ equipe
de fonoaudiólogos, preferencialmente audiologistas, constituída por número de profissionais suficientes
para atender à TANU, sempre que possível;
▪ equipamento
portátil de Emissões Otoacústicas, preferencialmente, Transientes e/ou por Produto de Distorção;
▪ instrumento musical agogô (campânula grande);
▪ protocolo
para registro da coleta de dados do recém-nascido e do resultado das avaliações
Obs.:
As emissões otoacústicas por transiente têm sido consideradas como primeira escolha
para Triagem Auditiva Neonatal, principalmente, porque indivíduos com perdas
auditivas leves (25 dB) apresentam ausência de EOAT, enquanto que as emissões
otoacústicas por produto de distorção podem estar presentes em perdas auditivas
de grau leve a moderado (de até 50 dB).
As
maternidades que não dispuserem de recursos humanos e/ou materiais suficientes
para atender de maneira universal, deverão adotar como critério de prioridade o
atendimento dos recém-nascidos que apresentarem, pelo menos, um dos indicadores
de risco para deficiência auditiva.
São considerados neonatos ou
lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva aqueles que
apresentarem os seguintes fatores em suas histórias clinicas (JCIH, 2007; LEWIS
et al, 2010):
• Preocupação dos pais com o desenvolvimento da
criança, da audição, fala ou linguagem;
• Antecedente familiar de surdez permanente, com
início desde a infância, sendo assim considerado como risco de
hereditariedade. Os casos de
consangüinidade devem ser incluídos neste item;
• Permanência na UTI por mais de cinco dias, ou a
ocorrência de qualquer uma das seguintes condições, independente do tempo de
permanência na UTI: ventilação extracorpórea; ventilação assistida; exposição a
drogas ototóxicas como antibióticos aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça;
hiperbilirrubinemia; anóxia perinatal grave; Apgar neonatal de 0 a 4 no primeiro minuto, ou 0 a 6 no quinto minuto; peso ao
nascer inferior a 1500 gramas
• Infecções congênitas (Toxoplasmose, Rubéola,
Citomegalovírus, Herpes, Sífilis, HIV);
• Anomalias crâniofaciais envolvendo orelha e osso
temporal;
• Síndromes genéticas que usualmente expressam deficiência
auditiva (como Wardenburg, Alport, Pendred, entre outras);
• Distúrbios neurodegenerativos (ataxia de Friedreich,
síndrome de Charco-Marie-Tooth);
• Infecções bacterianas ou virais pós-natais como
citomegalovírus, herpes, sarampo, varicela e meningite;
•
Traumatismo craneano;
•
Quimioterapia.
Rotina e procedimentos da TAN
Os
recém-nascidos a termo ou prematuros deverão ser avaliados após 24 horas de
vida, estáveis clinicamente e, preferencialmente, no momento imediatamente
anterior à alta hospitalar.
A rotina da TAN constará de procedimentos de coleta de
dados sobre a criança, procedimentos da triagem propriamente dita, orientações
à família a respeito do desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem,
encaminhamentos para avaliação complementar sempre que necessário, e
monitoramento das crianças que falharem na triagem até que sejam diagnosticadas,
protetizadas e iniciarem o processo de reabilitação.
Coleta de dados:
A análise do prontuário hospitalar da criança e a anamnese
com a mãe serão realizadas para a identificação de possíveis indicadores de
risco para perda auditiva.
Segundo as Diretrizes de Atenção da
Triagem Auditiva Neonatal (2012), a presença ou a ausência dos indicadores de
risco deve orientar o protocolo a ser adotado com cada recém-nascido, conforme
descrito abaixo:
No
entanto, o protocolo de risco depende de equipamento específico para a
realização do potencial evocado auditivo de tronco encefálico automático
(PEATE-A). Sendo assim, nas maternidades da rede pública do Município do Rio de
janeiro o protocolo adotado é único para todos os recém-nascidos, conforme
demonstrado abaixo:
Procedimentos da Triagem:
Para
a realização da triagem, o recém-nascido deverá ser posicionado em decúbito
lateral dentro da incubadora ou berço, ou no colo da mãe, na posição de
amamentação, dormindo ou mamando. Será então
realizada a avaliação das emissões otoacústicas em cada uma das orelhas seguida
da pesquisa do reflexo cocleopalpebral.
A presença de emissões
otoacústicas transientes ou por produto de distorção em, no mínimo, 04 frequências, em cada uma das
orelhas, e a presença do reflexo cocleopalpebral serão consideradas como
avaliação satisfatória, ou seja, a criança “passou” na triagem auditiva
neonatal.
A
mãe será, então, orientada quanto ao desenvolvimento e estimulação da audição e
linguagem e quanto ao registro da TAN na caderneta de vacinação da criança.
A ausência de emissões
otoacústicas transientes ou por produto de distorção em três ou mais freqüências em uma das orelhas, em ambas as orelhas ou a ausência
do reflexo cocleopalpebral serão consideradas como avaliação insatisfatória, ou
seja, a criança “falhou” na triagem auditiva neonatal. Desta forma, será necessário que se faça o
reteste.
Para os recém-nascidos internados, o reteste poderá
ser realizado durante a internação, entretanto algumas vezes, o reteste poderá
ser agendado e realizado ambulatorialmente, preferencialmente, no período de 15 a 30 dias do primeiro teste.
Quando
o resultado, após o reteste, for insatisfatório, a meatoscopia deverá ser
realizada.
Quando
a meatoscopia revelar qualquer alteração, a criança será encaminhada ao
pediatra e/ou otorrinolaringologista e após a resolução da alteração das
orelhas externa e/ ou média, outro reteste deverá será realizado.
Quando o resultado, após o reteste, for
insatisfatório e a meatoscopia não apresentar qualquer alteração, a criança deverá
ser encaminhada para avaliação complementar (Potencial Evocado Auditivo de
Tronco Encefálico - PEATE) através da Central de Regulação/SISREG. O resultado da
TAN deverá ser registrado na caderneta de vacinação da criança e a mãe receberá
orientações quanto à importância do exame para a conclusão diagnostica e quanto
ao desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem.
O PEATE apresenta alta
sensibilidade (98%) e especificidade (96%), identificando perdas auditivas uni
ou bilaterais de grau leve e com possibilidade de avaliar a maturação e
detectar neuropatias e alterações retrococleares (RIBEIRO, F.G.S.M. 2002).
Monitoramento
das crianças que falharem:
Todas
as mães das crianças que falharem na TAN deverão ser monitoradas, através de
contatos telefônicos, para se verificar quanto à realização do PEATE e
conclusão diagnóstica.
As
crianças com diagnóstico de audição normal, após a realização da avaliação
complementar, receberão alta fonoaudiológica e suas mães receberão reforço às
orientações quanto ao desenvolvimento e estimulação da audição e
linguagem.
As
crianças que receberem diagnóstico sugestivo de perda condutiva serão
encaminhadas ao pediatra e/ou otorrinolaringologista para acompanhamento e/ou
tratamento até a resolução da alteração e possível alta fonoaudiológica.
As crianças que receberem diagnóstico de perda
auditiva sensorioneural serão encaminhadas para reabilitação, sendo as mães orientadas
quanto à necessidade da protetização,
estimulação da audição e linguagem e terapia fonoaudiológica.
Referências Bibliográficas:
Azevedo
MF, Triagem Auditiva Neonatal. in Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO.
Tratado de Fonoaudiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Roca, 2009. cap 8, 65-77
Joint
Committee on Infant Hearing. Year 2000 Position Statement: principles and
guidelines for early hearing detection and intervention programs. Am J Audiol.
2000; 9 (1):9-29
Joint
Committee on Infant Hearing. Year 2007 Position Statement: principles and
guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics.
2007; 120(4)898-921
Lewis
DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em
saúde auditiva. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology.2010;76(1);121-8
Diretrizes
de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal, Ministério da Saúde. Brasília –DF,
2012. capturado em [24 de março de 2016]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.