sábado, 26 de março de 2016

Programa de Triagem Auditiva Neonatal das Maternidades do Município do Rio de Janeiro




PROGRAMA DE TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL DAS MATERNIDADES DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Fga Patrícia Kuster Ferreira Montenegro
Fga Simone Corrêa Libório
Introdução

Os primeiros meses de vida constituem o período de mudanças mais rápidas nas habilidades perceptuais que ocorrem concomitantemente em diferentes órgãos dos sentidos.  Assim, todas as experiências sensoriais, vivenciadas pela criança durante o primeiro ano de vida, têm importância decisiva para o desenvolvimento da linguagem.
            A audição é a principal via de entrada para a aquisição da linguagem oral.
            A deficiência auditiva é uma das alterações congênitas mais freqüentes em recém-nascidos, ocorrendo em cerca de 3:1.000 nascimentos (ALLEN, S.G. et al, 1999; AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, 1999).
            Em 1994, o Joint Committee on Infant Hearing recomendou a Triagem Universal por métodos fisiológicos (PEATE e EOAT), realizada na alta hospitalar, de forma que permita a identificação da perda auditiva antes dos três meses de idade e a intervenção clinicoeducacional até seis meses de idade.
    No Brasil, a perda auditiva tem sido diagnosticada por volta dos dois a três anos de idade. (RUGGIERI et al, 2002).  Durante esse tempo, a criança perde informações auditivas importantes, o que interfere no desenvolvimento da sua comunicação.
    A Triagem Auditiva Neonatal (TAN) de rotina é a única estratégia capaz de detectar precocemente alterações auditivas infantis, sendo recomendada desde 1998 pelo Comitê Brasileiro de Perda Auditiva na Infância.  Em 02 de agosto de 2010 passou a ser obrigatória em todo o Brasil através da lei federal nº 12.303
    Considera-se TAN quando os procedimentos são realizados durante o primeiro mês de vida, permitindo diagnóstico e intervenção precoces.  Quando não for possível, a avaliação deverá ser realizada o quanto antes,      entretanto qualquer momento é oportuno para se avaliar a audição de uma criança.


Triagem Auditiva Neonatal

     Considerando a importância da Triagem Auditiva Neonatal e sua obrigatoriedade, os hospitais e maternidades deveriam adotar, sempre que possível, o Programa de Triagem Auditiva Neonatal Universal, no qual todos os recém-nascidos são avaliados. 
    Em 2012 o Ministério da Saúde publicou as “Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal” com o objetivo de oferecer orientações às equipes multiprofissionais para o cuidado da saúde auditiva na infância, em especial à Triagem Auditiva Neonatal. O documento estabelece um protocolo que visa um conjunto de ações que devem ser realizadas para a atenção integral à saúde auditiva na infância, englobando triagem, monitoramento e acompanhamento do desenvolvimento da audição e da linguagem, diagnóstico e (re)habilitação.
   No entanto, para o cumprimento de todas as ações previstas são  necessários recursos materiais, humanos capacitados e articulação entre os diferentes níveis de atenção à saúde para que se realize todas as etapas de avaliação, diagnóstico e reabilitação.
   Considerando que, até o momento, nem todas estas “ações” foram possibilitadas pelos órgãos competentes, serão descritas a seguir todas as etapas realizadas dentro das condições disponíveis nas Maternidades do Município do Rio de Janeiro.

Recursos materiais e humanos

             Tendo em vista a Triagem Auditiva Neonatal Universal, são necessárias:

▪ equipe de fonoaudiólogos, preferencialmente audiologistas,  constituída por número de profissionais suficientes para atender à  TANU, sempre que possível;  
▪ equipamento portátil de Emissões Otoacústicas, preferencialmente, Transientes e/ou  por Produto de Distorção;
instrumento musical agogô (campânula grande);
▪ protocolo para registro da coleta de dados do recém-nascido e do resultado das avaliações

Obs.: As emissões otoacústicas por transiente têm sido consideradas como primeira escolha para Triagem Auditiva Neonatal, principalmente, porque indivíduos com perdas auditivas leves (25 dB) apresentam ausência de EOAT, enquanto que as emissões otoacústicas por produto de distorção podem estar presentes em perdas auditivas de grau leve a moderado (de até 50 dB).

            As maternidades que não dispuserem de recursos humanos e/ou materiais suficientes para atender de maneira universal, deverão adotar como critério de prioridade o atendimento dos recém-nascidos que apresentarem, pelo menos, um dos indicadores de risco para deficiência auditiva.
             São considerados neonatos ou lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva aqueles que apresentarem os seguintes fatores em suas histórias clinicas (JCIH, 2007; LEWIS et al, 2010):

• Preocupação dos pais com o desenvolvimento da criança, da audição, fala ou linguagem;
• Antecedente familiar de surdez permanente, com início desde a infância, sendo assim considerado como risco de hereditariedade.  Os casos de consangüinidade devem ser incluídos neste item;
• Permanência na UTI por mais de cinco dias, ou a ocorrência de qualquer uma das seguintes condições, independente do tempo de permanência na UTI: ventilação extracorpórea; ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas como antibióticos aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça; hiperbilirrubinemia; anóxia perinatal grave; Apgar neonatal de 0 a 4 no primeiro minuto, ou 0 a 6 no quinto minuto; peso ao nascer inferior a 1500 gramas
• Infecções congênitas (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes, Sífilis, HIV);
• Anomalias crâniofaciais envolvendo orelha e osso temporal;
• Síndromes genéticas que usualmente expressam deficiência auditiva (como Wardenburg, Alport, Pendred, entre outras);
• Distúrbios neurodegenerativos (ataxia de Friedreich, síndrome de Charco-Marie-Tooth);
• Infecções bacterianas ou virais pós-natais como citomegalovírus, herpes, sarampo, varicela e meningite;
• Traumatismo craneano;
• Quimioterapia.



Rotina e procedimentos da TAN

Os recém-nascidos a termo ou prematuros deverão ser avaliados após 24 horas de vida, estáveis clinicamente e, preferencialmente, no momento imediatamente anterior à alta hospitalar.

A rotina da TAN constará de procedimentos de coleta de dados sobre a criança, procedimentos da triagem propriamente dita, orientações à família a respeito do desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem, encaminhamentos para avaliação complementar sempre que necessário, e monitoramento das crianças que falharem na triagem até que sejam diagnosticadas, protetizadas e iniciarem o processo de reabilitação.




Coleta de dados:

            A análise do prontuário hospitalar da criança e a anamnese com a mãe serão realizadas para a identificação de possíveis indicadores de risco para perda auditiva. 

            Segundo as Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal (2012), a presença ou a ausência dos indicadores de risco deve orientar o protocolo a ser adotado com cada recém-nascido, conforme descrito abaixo:
           
No entanto, o protocolo de risco depende de equipamento específico para a realização do potencial evocado auditivo de tronco encefálico automático (PEATE-A). Sendo assim, nas maternidades da rede pública do Município do Rio de janeiro o protocolo adotado é único para todos os recém-nascidos, conforme demonstrado abaixo:


    

Procedimentos da Triagem:

            Para a realização da triagem, o recém-nascido deverá ser posicionado em decúbito lateral dentro da incubadora ou berço, ou no colo da mãe, na posição de amamentação, dormindo ou mamando.  Será então realizada a avaliação das emissões otoacústicas em cada uma das orelhas seguida da pesquisa do reflexo cocleopalpebral.
A presença de emissões otoacústicas transientes ou por produto de distorção  em, no mínimo, 04 frequências, em cada uma das orelhas, e a presença do reflexo cocleopalpebral serão consideradas como avaliação satisfatória, ou seja, a criança “passou” na triagem auditiva neonatal. 
            A mãe será, então, orientada quanto ao desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem e quanto ao registro da TAN na caderneta de vacinação da criança.
A ausência de emissões otoacústicas transientes ou por produto de distorção em três ou mais freqüências em uma das orelhas, em ambas as orelhas ou a ausência do reflexo cocleopalpebral serão consideradas como avaliação insatisfatória, ou seja, a criança “falhou” na triagem auditiva neonatal.  Desta forma, será necessário que se faça o reteste.
            Para os recém-nascidos internados, o reteste poderá ser realizado durante a internação, entretanto algumas vezes, o reteste poderá ser agendado e realizado ambulatorialmente, preferencialmente, no período  de 15 a 30 dias do primeiro teste.
            Quando o resultado, após o reteste, for insatisfatório, a meatoscopia deverá ser realizada.
            Quando a meatoscopia revelar qualquer alteração, a criança será encaminhada ao pediatra e/ou otorrinolaringologista e após a resolução da alteração das orelhas externa e/ ou média, outro reteste deverá será realizado. 
            Quando o resultado, após o reteste, for insatisfatório e a meatoscopia não apresentar qualquer alteração, a criança deverá ser encaminhada para avaliação complementar (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico - PEATE) através da Central de Regulação/SISREG.  O resultado da TAN deverá ser registrado na caderneta de vacinação da criança e a mãe receberá orientações quanto à importância do exame para a conclusão diagnostica e quanto ao desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem.
              O PEATE apresenta alta sensibilidade (98%) e especificidade (96%), identificando perdas auditivas uni ou bilaterais de grau leve e com possibilidade de avaliar a maturação e detectar neuropatias e alterações retrococleares (RIBEIRO, F.G.S.M. 2002).


Monitoramento das crianças que falharem:

            Todas as mães das crianças que falharem na TAN deverão ser monitoradas, através de contatos telefônicos, para se verificar quanto à realização do PEATE e conclusão diagnóstica.

            As crianças com diagnóstico de audição normal, após a realização da avaliação complementar, receberão alta fonoaudiológica e suas mães receberão reforço às orientações quanto ao desenvolvimento e estimulação da audição e linguagem.  

            As crianças que receberem diagnóstico sugestivo de perda condutiva serão encaminhadas ao pediatra e/ou otorrinolaringologista para acompanhamento e/ou tratamento até a resolução da alteração e possível alta fonoaudiológica. 

            As crianças que receberem diagnóstico de perda auditiva sensorioneural serão encaminhadas para reabilitação, sendo as mães orientadas quanto à necessidade da  protetização, estimulação da audição e linguagem e terapia fonoaudiológica.


Referências Bibliográficas:

Azevedo MF, Triagem Auditiva Neonatal. in Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Roca, 2009. cap 8, 65-77

Joint Committee on Infant Hearing. Year 2000 Position Statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Am J Audiol. 2000; 9 (1):9-29

Joint Committee on Infant Hearing. Year 2007 Position Statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007; 120(4)898-921

Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology.2010;76(1);121-8

Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal, Ministério da Saúde. Brasília –DF, 2012. capturado em [24 de março de 2016]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.